Publication Date: 20/01/2022
Is there solid evidence of widespread landscape disturbance in the Azores before the arrival of the Portuguese?
Um grupo de investigadores em ecologia e paleoecologia das Universidades dos Açores, Austrália, Lisboa, Munique e Madeira, acaba de publicar um artigo na revista científica PNAS (Elias et al. 2022) reavaliando o hipotético povoamento Viking do arquipélago dos Açores antes da chegada dos portugueses – particularmente a ideia de impactes ecológicos proposta por Raposeiro e colaboradores (Raposeiro et al. 2021). O grupo, liderado por Rui Bento Elias (Universidade dos Açores), argumenta que não existem evidências suficientes para concluir que o proposto povoamento Viking tenha causado ampla perturbação da ecologia e da paisagem nos Açores, antes da chegada dos portugueses.
Elias e colaboradores analisaram as evidências apresentadas para uma alteração profunda de origem humana, anterior à chegada dos portugueses, questionando as conclusões apresentadas por Raposeiro e colaboradores. Elias e colaboradores propõem uma interpretação diferente para os dados apresentados pelos autores, apresentando explicações alternativas a um hipotético povoamento anterior à chegada dos portugueses.
Esta análise e reinterpretação é apoiada nos próprios dados apresentados por Raposeiro e colaboradores; em estudos semelhantes anteriormente realizados nas ilhas das Flores e do Pico, que não mostram qualquer evidência de povoamentos anteriores; bem como nas numerosas descrições históricas de florestas intocadas em várias ilhas do arquipélago, aquando da chegada dos Portugueses; e, finalmente, na ausência de evidências arqueológicas de ocupação humana generalizada anterior ao povoamento empreendido pelo Reino de Portugal.
«Com base nas informações disponíveis, não negando a possibilidade de presença humana anterior, argumentamos que não existem evidências sólidas que suportem a existência de alterações antropogénicas de larga escala, causadas por povoadores pré-portugueses. Não existem igualmente razões para negar os registos históricos portugueses de que as ilhas eram cobertas por densas florestas naturais no século XV. Esta não é apenas uma questão académica. O pressuposto de um grande impacto antrópico nos Açores, já desde o século VIII, pode levar a uma diminuição dos atuais esforços de conservação para preservar espécies endémicas e habitats únicos.»
Explicação mais detalhada dos argumentos apresentados e questões levantadas
1. Abrangência da amostragemUm dos argumentos utilizados para sustentar a teoria de ocupação extensiva dos Açores pelos Vikings tem a ver com o facto de os indicadores de presença humana serem vários e ocorrerem em simultâneo em várias ilhas. No entanto, os dados apresentados têm numerosas limitações: (1) foram recolhidos em cinco ilhas, e com uma amostragem limitada para cada ilha (uma só lagoa por ilha); (2) apenas uma amostragem, da Lagoa do Caldeirão (Corvo), cobre todo o intervalo de tempo da ocupação humana proposta (700 a 2000 EC); (3) na Lagoa do Peixinho (Pico) não existe informação sobre o período “português” porque a amostragem termina no século XIV; (4) pelo contrário, na Lagoa do Ginjal (Terceira) a amostragem compreende apenas o período “português” (Séc. XV – Séc. XX); (5) em São Miguel (Lagoa Azul), o estudo começa apenas no final do Séc. XIII. «A amostragem é limitada e, na nossa interpretação, insuficiente no que respeita à cobertura temporal e espacial, podendo conduzir a conclusões não suportadas por dados suficientemente detalhados, abrangentes e completos.»
2. Presença de carvão e evidências de desflorestaçãoOutro dos principais argumentos utilizados no estudo de Raposeiro e colaboradores, é a presença de carvão nos sedimentos, que seria um sinal da queima de madeira e consequente desflorestação em torno destas lagoas. Se o carvão tivesse origem na queima das florestas pelos hipotéticos povoamentos anteriores à chegada dos portugueses, a presença de carvão seria acompanhada pela diminuição da abundância do pólen das espécies arbóreas. No entanto, na Lagoa do Caldeirão do Corvo, foi detetado carvão desde o séc. IX, com maior frequência entre o 1000 e 1300 EC, mas a percentagem de pólen de espécies arbóreas só apresenta uma diminuição de forma substancial e definitiva, no “período português”, por volta de 1600 EC, atingindo um mínimo só no séc. XVIII. Também na Lagoa Funda das Flores, apesar da existência de carvão desde o séc. XI, a diminuição definitiva do coberto florestal só se verifica a partir do séc. XV.
«O facto da presença de carvão não ser, de uma forma consistente, acompanhada por uma diminuição clara do coberto arbóreo impede a utilização deste indicador de forma fiável.» Na realidade, o carvão pode também ter origem em incêndios de causas naturais ou em florestas carbonizadas por eventos vulcânicos, anteriores ao período amostrado, que poderão ter originado depósitos de carvão. Estes depósitos naturais vão sendo depois gradualmente erodidos ou expostos em deslizamentos de terras, acabando algum deste carvão por ser arrastado, pela água da chuva, para as lagoas. «Em ilhas vulcânicas a existência de carvão formado devido à atividade vulcânica é muito comum (ex. Góis-Marques et al. 2020) e, por isso, o seu uso como indicador da presença humana deve ser feito com muita cautela.»
3. Comparação com estudos anterioresA tendência de desflorestação apenas durante a ocupação portuguesa das ilhas, é concordante com estudos anteriores, realizados por equipas lideradas por Simon Connor (da Universidade Nacional da Austrália) (Connor et al. 2012; Connor et al. 2013), nas ilhas do Pico e das Flores. No caso das Flores, amostras anteriores da Lagoa Rasa e da Alagoínha demonstram que as grandes alterações aconteceram apenas nos séculos XVI-XVII. No caso do Pico, os estudos anteriores foram realizados numa turfeira e na Lagoa do Caveiro, indicando que as grandes mudanças da vegetação terão igualmente ocorrido nos séculos XVI-XVII. Ou seja, «os trabalhos realizados por outros autores nas ilhas das Flores e do Pico, e os próprios dados de Raposeiro e colaboradores para a ilha do Corvo, não apoiam a hipótese de terem existido importantes alterações antropogénicas do coberto arbóreo, anteriores à chegada dos portugueses.»
Ainda no que respeita às mudanças na vegetação, importa realçar que poderão ter origem natural, devido à ocorrência de erupções vulcânicas, fortes tempestades ou deslizamentos de terras, tal como foi demonstrado por Connor et al. (2012), com o registo de importantes mudanças na vegetação a ocorrerem na área circundante da Lagoa do Caveiro, no Pico, nos últimos 6000 anos.
4. Presença de pólen de espécies indicadoras da presença humana«Relativamente ao pólen de centeio, apenas temos dados da sua presença, mas não da sua abundância, pelo que a origem natural (transporte pelo vento ou por aves) será tão plausível como a origem antropogénica». Na realidade, o pólen pode ser transportado por milhares de quilómetros pelo vento, e por isso pode não ter origem local. Raposeiro e colaboradores usam ainda o pólen de Plantago como indicador da presença humana. Este género de plantas com flor inclui três espécies que ocorrem em todas as ilhas. Destas três espécies, uma é considerada como nativa e duas como introduzidas (Silva et al. 2010). A espécie nativa (Plantago coronopus) apresenta uma ampla distribuição, ocorrendo desde a costa até aos 1000 m de altitude (Schaefer 2005). «A existência de pólen de plantas do género Plantago não indica, de per si, a presença humana, uma vez que uma das espécies deste género (Plantago coronopus) é uma espécie nativa muito comum em todas as ilhas.»
5. Marcadores fecaisNo que respeita aos marcadores fecais da presença de gado e de populações humanas, 5b-stigmastanol e coprostanol, devemos salientar que ambos também são encontrados, principalmente o primeiro, nas fezes de aves (Prost et al. 2017). Assim sendo, «a presença de 5 b-stigmastanol pode resultar da existência de grandes colónias de aves (como as que reportaram os colonizadores portugueses) nas margens destas Lagoas. Aliás, só isto poderia explicar a presença deste marcador cerca do ano 650 EC, na Lagoa do Peixinho (Pico), antes mesmo do início da ocupação sugerida por Raposeiro e colaboradores (700 EC).»
«É também interessante verificar que o marcador de fezes humanas (coprostanol) não aparece na Lagoa do Caldeirão nem na Lagoa do Ginjal, e na Lagoa Funda só aparece no “período português”. Mais uma vez, um indicador de presença humana que não ocorre, em simultâneo, na maioria das ilhas amostradas.»
A presença de fungos coprófilos (que vivem em excrementos) é evidente, com exceção da Lagoa do Peixinho (no Pico), principalmente a partir do final do séc. XIV e não antes. A este respeito, «devemos ainda salientar a discrepância que existe entre a datação feita por Raposeiro e colaboradores para a Lagoa do Peixinho, e a datação realizada por Connor et al. (2012) numa turfeira situada apenas a 200 m de distância. Apesar dos padrões de variação do pólen arbóreo serem muito semelhantes, a amostragem realizada pela equipa de Pedro Raposeiro termina no séc. XIV, não havendo informação posterior. Uma vez que os métodos de datação foram diferentes, esta discrepância levanta a hipótese de a datação realizada por Raposeiro e colaboradores não estar correta, porque a datação com base no pólen pode produzir idades anomalamente mais antigas, devido à contaminação por carbono de origem vulcânica (Butler et al. 2004).» Se a datação estiver incorreta, mesmo que por um ou dois séculos, as mudanças ecológicas sugeridas como impacte da ocupação Viking podem apenas ser mudanças que ocorreram após a chegada dos portugueses.
Raposeiro e colaboradores fazem um importante contributo para entender as mudanças ambientais nos Açores, mas as evidências que apresentam não são suficientes para provar que humanos modificaram os ecossistemas dos Açores antes do povoamento português.
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